sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A Política na Sanita



Algum tempo após a revolução de 1974 a estratégia do PCP era simples e reduzia-se a tentar derrubar Governos saídos de eleições. Terra queimada contra o capitalismo. Gostasse-se ou não fazia sentido. A União Soviética era o farol e uma alternativa radiosa justificava tudo. Forte do seu poder autárquico a cobrir um terço do território a táctica baseava-se na luta sindical e em manifestações populares. "Acções de massas". Protestos, greves localizadas, greves sectoriais e se possível, e foram-no, greves gerais. Os comunistas interpretavam interesses de importantes camadas de trabalhadores e das classes médias e várias vezes tiveram êxito e conquistaram não o poder mas objectivos parcelares importantes. Houve governos que foram muito enfraquecidos ou caíram. E mostraram que eleições democráticas podem ser postas em causa por outros meios, no caso envolvendo directa e indirectamente os interesses de centenas de milhar de pessoas.

Agora noutro contexto que não aquele do mundo bipolar mas o de uma profunda crise que ameaça ainda aumentar e consequente descontentamento geral (não me refiro aos que ganham de 10.000 a 200.000 € e mais por mês) a direita descobriu que poderá, talvez! pôr em causa as eleições já não com lutas de massas mas com a mobilização de outras "massas" e de poucas centenas de pessoas. Outros interesses. Quase circunscritos aos da superestrutura política, sector empresarial do Estado e das clientelas adjacentes. Enfim o PSD e aliados em luta pela posse do Estado, dextros nas armas da perfídia e do cinismo. Abjecção e lama. "Derrubar" eleições aos gritos de "não há liberdade de expressão", de "defesa do Estado de direito" de "asfixia democrática" de encenações com de escutas do 1ºM ao PR.

Mas como é possível desprestigiar tanto as instituições? Com que meios? Manipulando uma parte da comunicação social que contamina a restante facilmente porque a "festa" contribui para a venda de jornais e de tempo de antena, com a colaboração alguns membros do poder judicial e fugas seleccionadas ao segredo de justiça, selecção de "escutas", transcrições, truncagens e cozinhados de conversas particulares. E muitos gritos. O 1º M é mentiroso, é mentiroso. E o PGR? Mentiu. Mas?...É mentiroso. É mentiroso. E o Presidente do STJ? É mentiroso. É mentiroso - o jornalista estica o microfone ansioso até à cara do Sr. Professor - diga lá Professor: É mentiroso É mentiroso. Oh Drª Manuela diga, diga lá: É mentiroso, sou mentirosa, desculpe enganei-me ele é que é mentiroso, é mentiroso. Vá diga lá outra vez! É MENTIROSO, é mentiroso.

A AR colabora com peças menores onde contracenam jornalistas e deputados num espectáculo indigente e indigno. É a comissão de Ética.

Na Madeira avalanches de lama e detritos criaram uma situação trágica. No continente avalanches de lama e detritos morais criaram uma farsa. Afogam em baixeza a decência e a vida normal das instituições. Não se discute a crise, o orçamento, o desemprego, o drama de milhões de pessoas sem esperança, discutem-se cinicamente escutas, conversas privadas, o que não disseram mas pensaram, comportamentos, intenções.

No seu estado normal o país castigaria os maus encenadores e os actores rascas da peça obscena. Mas vivem o desemprego, o medo de dias piores, a ameaça de restrições aos que menos podem. E o espectáculo entrando pelas intimidades do poder, pelas manigâncias próprias dos boys e dos servos, pela vida íntima de uns e outros, revela interiores que era escusado ver e tem pouca relação com os problemas do país.

Conseguirão assim, a curto prazo, colocar Paulo Rangel no lugar de Sócrates? Veremos. Seria uma chegada triunfal numa avalanche de esgoto.

A política, a comunicação social e o poder judicial saem feridas desta tempestade de condutas reles.

Política de buraco da fechadura. Da porta da retrete.

O que me espanta é certa gente do PCP ou do Bloco deitar foguetes, levar efusivamente às cavalitas a Manuela Ferreira Leite e o delfim do cavaquismo serôdio, Paulo Rangel. Claro que têm as suas razões, e há os ódios e ressentimentos pessoais, por vezes bem justos. Mas para que fim?
PuxaPalavra

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