segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sinais de Peste: de farsa em farsa até à tragédia final


Indispensável, a crónica Pancada no Pequeno (não sei se o link funcionará hoje) do Rui Tavares, publicada no Público. Aqui ficam alguns excertos:

Em Portugal, que é a nossa província, um membro do Governo que é secretário de Estado da Segurança Social anuncia uma poupança de dez milhões nos Rendimentos Sociais de Inserção, afectando em período de crise 44% dos beneficiários desta prestação, que estão entre as pessoas mais vulneráveis do país. "Compromisso cumprido", afirmou o secretário.
O mesmo Governo promete pensar em começar a estudar formas de baixar os custos com a renovação do seu parque automóvel, que são de 7,5 milhões de euros anuais. Isto é capaz de ser coisa mais demorada.
Na Europa, que é o nosso mundo, o governo francês continua com a sua política de repatriação de ciganos romenos. A imprensa ajuda sendo eufemística - ninguém usa a expressão "limpeza étnica" - ou incorrecta - aqui ou ali vai aparecendo a expressão "imigrantes ilegais".
Vamos ser rigorosos sobre o que isto é e o que não é. Não, não se trata de imigrantes ilegais: os cidadãos romenos são comunitários e têm direito à livre circulação pelo território da União. E, sim, isto é uma limpeza étnica, ou seja, uma expulsão de um dado território de uma população circunscrita por critérios étnicos.
Como seria de esperar, a Itália de Berlusconi já manifestou vontade de seguir o exemplo francês. Quando a Croácia entrar na União Europeia, até 2012, ouviremos discursos sobre o caminho que ela fez desde as limpezas étnicas dos anos 90. Da maneira que as coisas estão, parece-me que é antes a UE que vai aderir à Croácia dos anos 90.
O que a França está a fazer é ilegal, uma clara violação dos tratados e do espírito fundamental da União Europeia. A Comissão Europeia, que é suposta ser a "guardiã dos tratados", não se insurge. Durão Barroso está silencioso. Dá-se tempo a que Sarkozy faça o seu número para as sondagens.

Junte-se a isto - precarização estratégica e penalização da pobreza, mais limpeza étnica - aquilo a que poderíamos chamar o petro-silêncio sobre os direitos humanos e as garantias fundamentais espezinhados - programática e propagandisticamente - pelo Führer do Irão e o seu regime, assinalado já pela Joana Lopes, que o mesmo Durão Barroso e a generalidade dos "responsáveis" da União Europeia compartilham com parte destacada da sua oposição "anti-imperialista". Os sinais de peste são evidentes e evocam estranhamente os que assistiram depois da Primeira Grande Guerra à ascensão das respostas fascistas, nazi e afins à "crise" na Europa e no mundo. Haverá quem diga, lembrando-se de duas linhas de Marx, que não temos motivos para alarme excessivo, pois que a repetição actual não passa de uma farsa, muito aquém da verdadeira tragédia que remataria a primeira metade do curto século XX. É esquecer que esse mesmo período mostrou que a ordem da sucessão dos termos de Marx (primeiro a tragédia, depois a farsa) pode ser e foi, mais do que uma vez, historicamente invertida. O que significa que, a deixarmos correr o marfim como até aqui, poderemos estar a aproximar-nos de farsa em farsa de uma tragédia duradouramente "final".

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