Ontem, a intervenção de José Sócrates, num comício que assinala a rentrée política do PS, realizado em Mangualde, pautou-se por duas posições fundamentais.
Primeiro, tentou conquistar a confiança dos portugueses tecendo uma optimista visão sobre o Estado da Nação nos assuntos do momento: desemprego, contenção do deficit, arranque da economia, marcha em direcção ao desenvolvimento, etc.
Segundo, demarcou-se da visão neoliberal do PSD, defendendo a preservação dos actuais contornos constitucionais relativamente ao Estado Social.
Sobre a visão optimista do Estado da Nação muito se tem escrito [inclusive o próprio já confessou a sua visceral confiança nas soluções preconizadas]. Continua, no entanto, a existir uma notória e premente necessidade de - fora de uma toada “comicieira” - informar os portugueses e as portuguesas, com rigor e sobriedade, sobre a situação político-económica actual e acerca das perspectivas futuras de desenvolvimento. O País não é o novo Olimpo onde correm rios de mel pelas estradas [não esquecer as SCUT’s] e onde os cidadãos vivem à beira da felicidade plena…
A visão optimista da situação portuguesa pode servir para exportar uma imagem de empenho e de determinação governamental na saída da crise mas, em contrapartida, chocará com a imperiosa necessidade [esperemos que não!] de, num futuro próximo, voltar à carga – à ilharga do PSD - e solicitar aos cidadãos mais sacrifícios e privações.
Sabemos que - não precisamos de ser cientistas nem videntes - nem tudo está bem neste País. Pelo que a técnica de tentar dourar a pílula poderá ser contraproducente.
A enfatização de situações pontuais mais ou menos significativas [evoluções trimestrais e semestrais], i.e., a árvore próxima, não deve fazer-nos perder de vista a floresta distante. Estamos em crise profunda [nós e o Mundo] desde [pelo menos] 2008. Os 2 anos decorridos fornecem um distanciamento suficiente [são metade de um ciclo político normal] para nos ser transmitida uma visão de conjunto… Venha ela!
Ainda no decurso do comício de Mangualde, José Sócrates, teve oportunidade de afirmar o distanciamento do PS das doutrinas neoliberais que empestam o actual PSD.
Não existiu qualquer viragem política. As afirmações de Sócrates não são para o PS novidades ou inflexões. São um simples revisitar das bases programáticas do PS. Até aqui nada de novo.
O problema é que a evocação da intransigente defesa do Estado Social [esperaria o PS outra coisa?] faz-se fora de um quadro intransigente de afirmação de princípios, mas antes num clima de apaziguamento e abertura negocial. Sendo assim, padece do risco de, em vez de ser tomada como uma posição doutrinária, passar a existir como uma mera condição negocial.
Aliás, dentro deste contexto, não compreendemos como as situações de excepção perante a crise [os PEC’s] tenham o horizonte temporal de 3 anos e os tão apregoados “consensos” entre PSD e o Governo sejam a conta-gotas. Esta situação só serve o PSD que, repetidamente, vai corroendo o Governo e, simultaneamente, tenta aparecer aos olhos dos cidadãos como o “salvador” da Pátria.
O PS, para manter-se fiel à sua matriz ideológica, tem pouco espaço de manobra.
Mas, pelo menos, este clima de confrontação criado pelo falacioso ultimato de Passos Coelho, no Pontal, teve um importante benefício [político]. Proporcionou a Sócrates distanciar-se do PSD. Facto que sendo pouco relevante no presente [continuarão a negociar] será fundamental no futuro [se chegarmos à situação de ir a votos].
Mas a política não vive de ilusões ou de malabarismos retóricos. Chegará o dia em que o PSD tornará as negociações impossíveis [as negociações sobre as SCUT’s foram o primeiro ensaio]. Então, o PSD tornará visível o “seu” oportunista sentido de responsabilidade nacional, romperá com o Governo…e, calculista, tomará o caminho da conveniência partidária que, há um ano, persegue [crise política e eleições legislativas intercalares].
De facto, neste preciso momento, a par da esgrima verbal, do clima de ameaças e chantagens, o PSD não quer negociar, isoladamente, o OGE para 2011.
Quer, também e/ou simultaneamente, negociar profundas alterações ao regime democrático vigente.
Mas a verdade imediatista - que tem sido sistematicamente iludida - é que Passos Coelho quer provocar, a qualquer preço, em qualquer instante, a queda do Governo PS.
Depois logo se verá...