segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Crónicas anti-Cavaco (1): Ali-Babá
Nenhuma das pessoas que conheço de cuja honestidade não subsistem dúvidas tem o mau gosto de afirmar a sua honestidade constantemente, nem mesmo quando gente menor tenta pô-la em causa. Sabe-se lá porquê Cavaco Silva que não é um propriamente uma pessoa desconhecida sente uma grande necessidade de afirmar a sua honestidade, principalmente quando de alguma forma se gente fragilizado num debate político. Quando está em dificuldades lá vem com o espantalho da sua honestidade, como se essa suposta qualidade pessoal se sobrepusesse ao valor de todos os adversários e o tornasse superior a eles, no pressuposto de que é mais honesto do que todos os outros.
Esta afirmação constante da sua honestidade assenta, antes de mais num conceito muito estrito de honestidade, para Cavaco a honestidade parece ser um conceito que envolve apenas atributos materiais, como se não andasse por aí muito boa gente honesta que está farta de ser desonesta, ainda que daí não tenham resultados quaisquer benefícios materiais. Na carreira política de Cavaco não faltam episódios que permitem questionar a sua honestidade, a forma como deixou cair Fernando Nogueira a troco de vantagens política nas eleições presidenciais que perdeu frente a Sampaio, o modo como explorou politicamente o boato das escutas a Belém lançado pelo seu assessor mais íntimo ou mesmo o aumento de pensões de gente muito pobre em vésperas de eleições legislativas não lhe trouxeram benefícios materiais, mas são bons exemplos de que a honestidade não se mede apenas em contas bancárias. Um outro bom exemplo da honestidade segundo Cavaco Silva foi a forma como se esqueceu das aulas na Universidade Nova e depois se livrou de um processo disciplinar.
Esta afirmação de honestidade de mistura com tiques autoritários e da afirmação de uma personalidade maior do que a dos adversários não é nova na política portuguesa e cala muito bem nos meios mais conservadores, foi uma estratégia seguida há décadas por Oliveira Salazar. Só que em relação ao ditador Cavaco Silva está em desvantagem, Oliveira Salazar beneficiou de vencimentos modestos enquanto Cavaco coleccionou pensões, Oliveira Salazar morreu sem património enquanto Cavaco tem uma luxuosa vivenda no Algarve que, diz-me quem a conheceu bem, está acima dos rendimentos de um professor universitário, Oliveira Salazar nunca protegeu bandidos que iam levando o país à falência enquanto Cavaco usou o estatuto de Presidente da República para afirmar a inocência de Dias Loureiro, Oliveira Salazar nunca ganhou com acções enquanto Cavaco beneficiou da estranha valorização de acções de um grupo que tinha um buraco financeiro da ordem dos quatro mil milhões de euros.
Se Ali-Babá me viesse dizer que sempre foi honesto e que os que roubavam eram os quarenta ladrões sentiria o mesmo que sinto quando ouço Cavaco afirmar a sua honestidade, pouco me importa se Cavaco é ou não honesto, enquanto ele esteve no poder foi o ver se te avias, gente da sua maior confiança que chegou a Lisboa com o estatuto de maltrapilhos usufruem de riquezas que as lições de economia de Cavaco Silva não conseguem explicar. Com tantos ladrões à volta de pouco me serviria saber que o coitado do Ali-Babá até era honesto.
Jumento
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